sexta-feira, 24 de novembro de 2017

from the morning

encontrei nick na floresta
ele era só um jovem triste, belo e melancólico
extraindo a alma de um violão
encontrei nick na floresta
e nós subimos uma colina juntos
e sentamos na última pedra do sonho
encontrei nick na floresta
seus olhos irradiavam uma luz estranha
ele sabia que a morte já chegava
e nada mais lhe importava
apenas o seu violão
encontrei nick na floresta
nós subimos uma colina juntos
e sentamos na última pedra do sonho
e ficamos em silêncio
olhando o rebanho de gaviões
remando em direção ao horizonte        
onde já despontava a lua rosa...

nuno g.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

tirania.

A tirania é uma arte difícil.
Delicada.
Abarrotada de sutilezas.
É preciso conservar súditos.
É deles que emanam todas as regalias.
As da mesa.
As da cama.
As simbólicas.
O tirano crê que os súditos o amam.
Ainda quando cria exércitos que o defendam.
O tirano necessita dessa crença para ser o que é.
A raiva, o ressentimento e a crueldade dos súditos.
Não são para o tirano nada além de ingratidão e injustiça.
Injustiça por macularem as regalias que fazem de um tirano um tirano.
Ingratidão por desrespeitarem o dogma de que o tirano é magnânimo.
A tirania é uma arte difícil.
Exige uma imagem pública atualizada permanentemente.
Exige que a distância e o alheamento do outro sejam punidas uma e outra vez.
Como a recordar ao coração do súdito que o fundamento daquela relação.
É o próprio amor que ele projeta no amor-próprio do tirano.
Por isso o mais grave que pode chegar a cometer um súdito.
É assumir que sim já há muito deixou de amar o tirano.
A tirania é uma arte difícil.
Como a pistolagem.
Como a tortura.
Como as artes ornamentais.
O tirano deve possuir cinismo suficiente para exibir-se frio como o gelo.
O tirano deve conhecer todas as técnicas de vampirismo.
Das orientais às ocidentais.
O tirano não é nada mais do que um coração vazio.
Um espírito fútil e frágil que necessita.
Da luz.
Da grana.
Da compaixão.
Que emana dos súditos.
Súditos que ele acredita desesperadamente.
Que por tê-lo amado um dia.
O seguirão amando sempre.
E serão sempre incapazes de pronunciar a palavra não...


nuno g.

sábado, 18 de novembro de 2017

fiorde

a tarde passou sem que eu sentisse fome
e quando o medo lhe deu a mão
eu soube que algo poderia acontecer

o mar, sem pressa, inundou o itambezinho
os rebanhos de pássaros passaram
e a manchinha marrom no seu olho direito foi se tornando mais visível

o sino da capela soou
me despi de qualquer fantasia
e segui suas mãos abrindo o cadeado da alvorada...

nuno g.

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

The portrait, por Stanley Kunitz

My mother never forgave my father
for killing himself,
especially at such an awkward time
and in a public park,
that spring
when I was waiting to be born.
She locked his name
in her deepest cabinet
and would not let him out,
though I could hear him thumping.
When I came down from the attic
with the pastel portrait in my hand
of a long-lipped stranger
with a brave moustache
and a deep brown level eyes,
she ripped it into shreds
without a single word
and slapped me hard.
In my sixty-fourth year
I can feel my cheek
still burning.

Stanley Kunitz

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Poética, por pedro tostes

A poesia é mesmo caso sério:
vez por outra vai parar no cemitério.
E sempre volta, como um
zumbi literário.

A poesia brasileira anda broxa,
não mata a cobra,
esconde o pau
e espera ansiosamente pelo
próximo edital.

A poesia brasileira contemporânea
é esquizofônica;
uma hora fala duro,
na outra difícil (e demonstra
pouca propensão a atirar-se
de edifícios).

A poesia brasileira corrente é polida,
faz foto pro cartaz, gosta
de ser notícia no jornal, do caderno
de resenhas, é bonita
limpinha, correta e erra pouco.
Fuma mas não traga,
estupra mas não mata
e tá sempre em cima do muro.

O poeta? Que se foda! Ele que morra duro.


pedro tostes.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Based on a prayer of Rabi’a al-Adawiyya, por Franz Wright

God, if I speak my love to you in fear of hell, incinerate me in it;
if I speak my love to you in hope of heaven, close it in my face.
But if I speak to you simply because you exist, cease
withholding from me your
neverending beauty.

Franz Wright

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

a ciência dos erros exatos

a ciência dos erros exatos
é mais difícil
que escrever teses de doutorado
matemática inverossímil e abstrata
exige perícia com cálculos infinitesimais
& habilidade para remover entulhos e tristezas acumuladas
a ciência dos erros exatos
não se aprende em escola
não se põe à mesa
nem se exibe nas feiras
a ciência dos erros exatos
é como uma sereia
encantadora e assassina
guardando no fundo do mar
os segredos não-piedosos
de um cipó enfeitiçado 

nuno g.